albert roig, nastia, minsk, 2018. © albert roig

CARMEN

como sabemos, o filme passou por um processo penoso.

em 2002, empresas como fujifilm, ilford e kodak produziram 960 milhões de filmes. no entanto, com o boom digital os números decaíram, e em 10 anos a kodak anunciou o fim.

citemos a kodak como exemplo. a companhia ceifou a si própria quando descobriu o digital, mas não o explorou. sim, a kodak desenvolveu a fotografia digital. mas, por decisões dúbias, não seguiu no suporte. com isso, perdeu consumidores, contratos e clientes até, em 2012, explodir.

o desespero devido ao fim da kodak promoveu uma busca geral pelo grão. no apocalipse, os analógicos organizaram-se para enfrentar as enfermidades. don mccullin, por exemplo, comprou 150 rolos de kodak tri-x 400. já anton corbijn, 2500. em entrevista ao ‘the economist’, mcculin citou as suas agonias:

 

'i rang up my stockist and asked for them right away. i thought it was the end of my life.'

 

graças aos deuses, mccullin sobreviveu. o filme, então, está dia após dia mais vivo. além de corbijn e cia, analógicos dos 5 continentes comprometeram-se em consumir a película.

 

a kodak percebe o espaço, e, em 2013 retorna à rochester, local onde foi fundada por george eastman e henry strong, em 1888. daqui em diante, como kodak alaris, planeja o regresso. mas, agora, a companhia compreende o clube, e com ajuda do caráter colaborativo da comunidade e claro, da world wide web, ressurge.

um dos exemplos deste florescer do filme encontra-se na carrer de lluís de santàngel, número 16, em valência, espanha. o carmencita film lab. uma flor que cresce em um quarto escuro. aberto em 2012, no exato ano em que o filme vive o pior período de sua secular vida. mas, que demonstra um twist nesta novela.

para os analógicos, o carmencita destaca-se como qualidade em fotografia em filme. como exemplo de cor. de contraste. surge como força para um suporte que, para muitos, morreu. mas, mesmo os mais frequentes neste ambiente não compreendem o quanto o filme pode ser forte. e o carmencita nos prova este poder. 250 filmes por dia. mais de 45.000 rolos por ano. sim, ainda existem dificuldades. mas os números demonstram que o filme segue firme. e florescendo.

um dos desafios d'o álbum quanto agência analógica, está em promover a vida da película. e este post inicia um de nossos esforços para poder ajudar o analógico: a seção #lababerto. aqui, procuramos abrir os químicos e os processos de laboratórios que crescem neste e em outros países do planeta. agora, no século xxi. pois como nos diz o próprio albert, fundador do carmencita:

'life is not made of 1’s and 0’s.'

com vocês, albert roig, fotógrafo e fundador do carmencita film lab.

albert roig, white swan, minsk, 2018. © albert roig

conte-nos sobre como começou e quem são os ‘carmencitas’?

ok, existem dois starts. o público, e o início do início. o início mesmo, de fato. risos! enfim, esse começo começou quando o miguel varona (fotógrafo e fundador do carmencita) comprou um scanner, em 2012. o miguel atuava em um minilab, e como fotógrafo queria conseguir cores melhores para as fotografias que fazia. então, pesquisou, pesquisou e optou por um fujifilm frontier sp3000. origem: china. e melhor, por um quinto do preço! mas...era óbvio que estava barato demais! porque não há como conseguir um scanner que custa €5.000 por €1.000. então, quando enfim chegou, não escaneava. e, além disso, o idioma estava em chinês e por isso, não conseguia configurar o que queria. risos!

 

o miguel decidiu procurar por ajuda, e encontrou na web um fórum sobre os fuji frontiers. e foi daqui em diante que o carmencita começou. neste momento, eu estava nos eua, em utah, trabalhando no findlab, laboratório do jonathan canlas. então, vi o post do miguel e... de qualquer país do planeta, de qual ele seria? espanha! risos!

 

com isso, escrevi para o miguel dizendo que poderia ajuda-lo, e ele me respondeu dizendo que havia escrito e-mails para a fujifilm, e, caso precisasse, escreveria para mim.

 

quando voltei à espanha, mais à frente, enfim encontrei o miguel. e como um click, nos conectamos! e engraçado, enquanto eu estava nos eua, eu via fotógrafos enviando filmes da europa para revelar por lá. e eu percebia o quanto isto era um problema: delays, taxas, etc.

então e eu lhe disse:

‘agora que você tem o scanner, você deveria abrir um lab!’.

 

e o miguel respondeu:

 

‘ok! mas, tem um problema... eu não tenho dinheiro! como vou te remunerar?’.

 

‘tudo bem, porque eu também não tenho! se você me apresentar valencia eu te ajudo!’.

 

e até hoje espero que ele me mostre a cidade. risos!

albert roig, in front of the market place, porto, 2018. © albert roig

quando cheguei em valencia, o miguel estava desenvolvendo o sistema de escaneamento. então, começamos a pesquisar. pesquisando, conseguimos clientes e nos unimos ao raul e ao rohan.  em seguida, organizamos o facebook e o website. e essa foi a formação: o fantastic four! nós abrimos em 2013, em uma sala de 30m2, com apenas um scanner e dois computadores. não revelávamos porque não podíamos pagar pelo equipamento, então outros labs revelavam por nós.

após alguns meses, conseguimos o equipamento e passamos a revelar nós mesmos. e durante 18 meses seguimos nesta formação. então, o rohan quis seguir os seus projetos pessoais e, enfim, começamos a contratar.

 

durante este processo, o projeto cresceu. e cresceu. e cresceu. no início, não recebíamos rolos. evoluímos, e então passamos a revelar de 100 à 150 filmes por mês. hoje, revelamos de 200 a 250 rolos por dia. em julho, agosto e setembro revelamos 16.500 filmes. e em 2017, conseguimos o auge de 46.000 rolos. agora contamos com 22 membros no laboratório. ah! e colaboramos com lojas de barcelona e madrid também. temos uma caixa postal nos espaços, que nos enviam os filmes de semana em semana.

 

no brasil, encontrar cameras, filmes, químicos e scanners é super difícil. então... nos questionamos como funciona na espanha e na europa, em geral.

ok… sobre cameras, em geral no ebay e em plataformas online, pois por lá você consegue as com valor mais acessível. você precisa estar atento, mas a maior parte dos analógicos as consegue online. claro que também temos lojas, mas em geral são mais caras e limitadas.

sobre filmes, sempre online, também. claro que você consegue preços práticos em lojas locais, mas é mais difícil. porque o filme, quando você o vende, quase não gera lucro. então, nós basicamente abaixamos o preço o máximo possível para os fotógrafos fotografarem e nos entregarem para revelar/escanear. nossa lógica funciona desta forma, e se os fotógrafos não conseguirem acesso aos filmes, então temos um problema ainda maior.

sobre químicos e revelação, ainda existem labs e mais labs. o problema dos labs locais é que em geral eles não atuam em larga escala. e quando você não revela em grandes volumes, o seu químico oxida. quando o seu químico oxida as suas imagens oxidam. então, nós sempre nos preocupamos com qualidade. precisamos vender qualidade. porque, se não houver qualidade, não existe sentido em fotografar em filme. você passa por todo o processo de comprar filme, refrigerar, pesquisar, compor, dirigir a modelo, fotografar e quando, enfim, envia para um laboratório, destroem a sua fotografia? assim todo o esforço é em vão. e não pode existir algo pior para um analógico.

logo, quando percebemos isso, pensamos:

 

‘ok, precisamos entregar qualidade’.

 

nós escaneamos frame por frame, manualmente. também trabalhamos com químico fujifilm, porque na espanha eles analisam os nossos químicos uma vez por semana e nos explicam o que devemos corrigir ou o que podemos evoluir. claro que, quando você atua dia após dia com os químicos, você acerta 99,9% da fórmula, mas este serviço nos ajuda demais, porque eles nos permite chegar o mais perto do perfeito possível. em seguida, calibramos as nossas reveladoras e os nossos monitores.

a fujifilm hoje, é uma companhia enorme, agora que foram para o digital. mas, por incrível que pareça, a fuji ainda destaca-se para a fotografia em filme. principalmente na esfera química. porque existem diversos clientes que usam as printer labs, aqueles wet prints, que demandam químicos dia após dia, e em escala global. então o departamento químico segue ativo, apesar do departamento de filme ter dificuldades. mas com a kodak, por exemplo, é quase impossível de se entrar em contato. porque a kodak está preocupada em vender os kiosks, prints em 10x15cm, e, para mim, parece que o filme é algo que querem esquecer. entramos em contato com a kodak alaris, na inglaterra, para comprar filmes. e por exemplo, compramos os nossos filmes de um reseller na alemanha. e o preço que vendemos os rolos, em nossa loja, depois de comprar deste revendedor, ainda é mais acessível do que o da kodak alaris. e eles nos dizem que não podem diminuir o preço. então, não existem condições. difícil... pois os esforços da kodak alaris sempre são para os eua.

e as empresas europeias? agfa/adox, ferrania?

agfa is dead. a adox surge da agfa, que hoje não existe mais, e de dentro da fotoimpex, um dos destaques do analógico na europa. eles produzem emulsões e químicos. vendem câmeras, filmes, e assim por diante. ah, e é por lá que preparam os filmes da cinestill também. das caixas, eles bobinam para os cannisters da cinestill. ferrania, oh meu deus. super, super, super slow. e entendo. porque reconstruir uma fábrica? deve ser difícil. participei do kickstarter que organizaram e se passaram... o que, três anos, talvez? eles conseguiram investidores da china, que em seguida recuaram. logo, construir algo desta dimensão, por si próprios? difícil. mas eles seguem passo por passo. neste ano, nós fizemos testes para eles, com o p30, a emulsão p&b que estão propondo. nós demos nossos inputs sobre como o filme se comporta com a jobo e com os químicos. esperamos que sigam neste esforço.

o que slow photography significa para você?

é uma forma de pensar a fotografia, mas com o foco em seu processo. é como escrever em um computador ou escrever à mão. a mensagem é a mesma, podem ser as mesmas palavras, mas significa de forma completamente diferente. claro que, se você está desenvolvendo um ensaio científico ou um documento, é melhor redigir no computador. mas, se você escreve uma nota para a sua namorada, antes de você viajar, e a envia por e-mail, ela possivelmente te odiará. se você a escreve à mão, representa muito mais. você coloca tempo nisso, e... no fim das contas, tempo é a coisa mais valiosa que temos. quando percebemos isso, nossa vida muda.

 

albert roig, untitled, basque country, 2018. © albert roig

e agora sobre o carmencita. quem é o seu cliente? de onde ele/ela é e o que ele/ela fotografa?

os nossos clientes são fotógrafos apaixonados pelo analógico. há clientes que fotografam em filme exclusivamente, e também há clientes que fotografam em ambos os suportes, seja em película ou em pixels. em dados, 60% são mulheres e 40% são homens. acreditamos que existam mais mulheres por aqui porque as fotógrafas amam o ar do analógico, a sua cor, a sua textura. existe uma preocupação maior à fotografia, à cor e à composição. enquanto os nossos clientes homens pesquisam e perguntam sobre megapixels do scanner e se o laboratório prefere adobe rgb ou standard rgb, arquivos tiff, fujifilm ou noritsu. nunca havia pensado sobre, mas aqui no lab reproduzimos esta lógica, somos 35% do sexo masculino e 65% do sexo feminino. o público encontra-se entre 20 e 35 anos. e neste gap percebemos algo curioso. são pessoas que viveram o fim do filme mas não conseguiram compreender com detalhes, o que significa. quando conversamos com os fotógrafos mais experientes, entre 50 e 60 anos, percebemos que eles estão exaustos do filme.

como fotografia e pintura. quando a fotografia surgiu, a sociedade acreditou no fim da pintura. no entanto, a fotografia foi o melhor que poderia ocorrer para a pintura. pois os pintores não precisariam mais representar a realidade, eles poderiam criar as realidades que desejassem. acredito que o mesmo ocorre com o filme hoje. caso você queira nitidez, iso à 25.600, você pode usar a canon mark iii. caso você queira a emoção, você pode usar o kodak portra 400. então isso alivia tanto stress dos fotógrafos, que hoje, as pessoas que gostam de filme vão para o filme por suas características únicas, para criar mais ou melhor. e isso é maravilhoso!

 

ok. e como funciona o p&b no carmencita?

entre os 2000 e 5000 rolos que revelamos, de 80% a 90% será em c41 cor, 10% será em p&b e 1% será em e6 slide. em p&b, acredito que poucos o pedem porque as pessoas podem revelar por si próprias. o que é demais! e nós do carmencita realmente encorajamos as pessoas a experimentarem. de fato, em nosso primeiro workshop, que ocorreu na bélgica, ensinamos os processos para isso. e, para um negócio, pode ser um tiro no pé, certo? mas nós entendemos que compreender como usar o filme pode ser mais saudável para a comunidade e para a companhia, em si.

 

abaixo, segue o rank de clientes por país:

1-     espanha

2-     frança

3-     alemanha

4-     inglaterra

5-     áustria

 

e, também, dos filmes com maior frequência:

em cor:

1-     fujifilm pro 400h

2-     kodak portra 400

3-     kodak portra 160

4-     kodak portra 800

5-     fujifilm superia 200

 

albert roig, nastia, minsk, 2018. © albert roig

em p&b:

1-     kodak tri-x 400

2-     ilford hp5 400

 

albert roig, bielorussian orthodox painter, bergamo, 2018. © albert roig

você nos citaram o desejo em seguir para o motion. super 8mm, 16mm? o que planejam?

sim, estamos pesquisando para super 8mm. em p&b seria mais simples, mas o sistema custa 800 euros, e eu juro que quero entender o porque deste preço. risos! mas para cor, percebemos que precisamos pesquisar com mais profundidade, porque é um processo pra lá de difícil. o engraçado com filmes motion como o super 8mm, 16mm e 35mm é que existe um enorme espaço para escaneamento. porque escanear ou re-escanear pode ser um business para arquivos, acervos, etc. revelar filme fresco, no entanto, não é mais o negócio que um dia já foi... mas percebemos ventos favoráveis. estamos curiosos com o que a kodak alaris vem propondo com a produção de stocks em super 8mm, câmeras, e assim por diante. com isso, acredito que pode existir um boost para as pessoas usarem mais. vamos ver, estamos empolgados!

 

e aqui estamos nós… analog renaissance. o ano de 2017 nos proporcionou conquistas. como funcionou para vocês? 2017 foi, de fato, o auge? ou apenas mais um ano?

essa é uma boa pergunta. até hoje? sim, o melhor. mas... engraçado, porque estamos em evolução. existimos há pouco tempo. agora em 2018, completamos 6 anos. e ainda não calculamos este ano. mas, para vocês entenderem: quase que de ano em ano, dobramos os números. desde que o lab nasceu, crescemos. por exemplo; em 2013, revelamos 3000 filmes. em 2014 foram 14.000. em 2015, chegamos aos 30.000. em 2016 alcançamos 41.000 e enfim, em 2017, 46.000 filmes. então, imagine o que tivemos que organizar para responder à esta demanda. risos! sempre contratando, preparando, contratando e preparando pessoal. e essa dinâmica foi enlouquecedora, porque o nosso processo é completamente manual. ou seja; mais esforço? mais pessoas. e assim por diante. e essa é uma das dificuldades do laboratório, porque, por exemplo, o meu pai participou de empresas por anos e sempre me pergunta:

 

‘albert, vocês conseguem lucrar ou não?’

 

e a responsabilidade é enorme. o carmencita paga os salários. e é quase isso... mesmo. não temos lucros exorbitantes.

neste ano enviamos uma newsletter para os nossos 50 melhores clientes, perguntando dos pros e cons, o que precisam, insights que podem nos ajudar a compreender melhor as suas necessidades. e o que eles precisam difere do que um cliente que fotografa 5 rolos por mês precisa. os fotógrafos que fotografam 50 rolos por mês, não são os mesmos que fotografam 5 filmes por mês. nós, durante anos, procuramos atender de igual para igual, todos, mas hoje sabemos que isso não é possível. por exemplo, não damos desconto. para nenhum cliente. todos pagam o mesmo, sempre. mas, para os mais recorrentes, possibilitamos pagamento via transferência, armazenamos os filmes por mais tempo, backup digital, e assim por diante. e claro, nem todos precisam disso. mas temos clientes que enviam mais de 300 filmes por ano... com custos caros... e com isso, esperam que nossa performance seja excelente. e, infelizmente, não temos como atender os que nos pagam 30€ como os que pagam 3000€.

 

e os planos do lab para o próximo ano?

nós estamos ampliando o espaço, pois hoje temos equipe demais para esta área. vamos ocupar o estabelecimento ao lado. queremos expandir, também, a divisão de ampliação/impressão. fazer mais prints e alcançar mais pessoas. em seguida, desenvolver processos para grande formato. revelação e digitalização. temos um scanner que pesa 8kg, da década de 90, mas que estamos com dificuldades de dominar. a conexão com o computador funciona quando quer... estamos em uma luta com ele há meses. bom, chegaremos lá. risos! e, como qualidade, queremos aperfeiçoar as cores dos clientes que atuam conosco. queremos definir melhor a cor de cada um destes clientes. por isso estamos desenvolvendo processos próprios e ferramentas para entregar o máximo. quais as suas preferências, que feedback nos enviaram, quem escaneou para este cliente, e assim por diante.

as pessoas sempre ficam nervosas em enviar filmes para nós. percebemos isso e iniciamos parcerias com a fedex e com a tnt. na europa, em 24h os filmes saem de seu endereço e chegam ao nosso. do brasil, por exemplo, chegam em 72h.

e para você que, assim como nós, morre de medo em enviar os filmes para a espanha, albert avisa: coloque em uma caixa, envolva em alumínio e poste. assim, nada ocorrerá com os seus filmes. o resto, o carmencita resolve.

albert roig, looking at america, porto. 2018. © albert roig

abaixo, seguem imagens do laboratório pelo fotógrafo germán cabo.

© germán cabo
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O Álbum

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