paulo rubens fonseca, reflexos, rio de janeiro, 1974. © paulo rubens fonseca

36 EXPOSIÇÕES COM PAULO RUBENS FONSECA

perguntas ao fotojornalista que sobreviveu à ditadura militar e encontrou na poesia do cotidiano uma maneira de contar histórias em tempos sombrios. a série analógica que produz há 42 anos ilustra nossa conversa e nos transporta para o mundo de paulo, hoje professor de fotojornalismo da puc-rio e eterno caçador de reflexos.

paulo rubens fonseca, reflexos, rio de janeiro, 1980. © paulo rubens fonseca

01. câmera preferida?

paulo rubens fonseca – leica iiif. 

02. filme preferido?

prf – sem dúvidas, o kodak tri-x 400. 

03. cor ou p&b?

prf – preto e branco.

04. formato preferido?

prf  35mm, com certeza.

05. distância focal preferida?

prf –50mm.

06. em que horário você prefere fotografar?

prf –na primeira luz.

paulo rubens fonseca, reflexos, rio de janeiro, 1998. © paulo rubens fonseca

07. em sua opinião, quais seriam os 03 maiores fotógrafos?

prf –em ordem? sebastião salgado, henri cartier-bresson e andré kertesz.

08. e as 03 maiores fotógrafas?

prf – diane arbus, gerda taro e claudia andujar.

09. bresson x capa?

prf – ah, cartier-bresson, né?

10. doisneau x erwitt?

prf – eu gosto muito do doisneau. eu adoro o elliot também. mas o doisneau era uma figura, né? ele era uma alma muito especial. eu assisti um documentário sobre o doisneau que é comovente. ele é um homem da banlieue, um homem pobre. e na frança, nos anos 1930, 1940, ser morador da banlieue era ser ferrado mesmo. ele era uma alma generosa. claro que isso não o define, mas eu amo demais a obra dele.

11. man ray x kertesz?

prf – kertesz, 10 mil vezes! eu reconheço as qualidades do man ray, mas ele usava processos que ficaram datados, aquelas solarizações, sabe? não sei, nunca entendi o man ray. o kertesz era fotografia. era a câmera. ele produziu com espelhos, ele está com a câmera diante da realidade, que pode ser distorcida. como por exemplo, no meu caso, o reflexo distorce. mas sempre será diferente, você fotografar e você produzir, usar trucagens.

12. e de suas próprias fotografias? qual, ainda o deixa emocionado?

prf –a do taxi, no rio de janeiro. porque foi feita em plena ditadura. a ditadura teve um período extremamente brutal, que foi desde 1969 até 1974, quando o ditador era o médici e eu tinha passado pela prisão várias vezes. várias situações brutais, de tortura e tal... e eu me via ali, né? como um cidadão que tinha que manter-se, aqui, no brasil. eu era fotógrafo, eu não tinha como cair fora. mas conviver com a situação de ter que calar a boca e fingir que nada daquilo tinha acontecido, era difícil. enfim, então aconteceu o seguinte: eu fui pautado para fazer umas imagens, numa escola, que ficava em ipanema. uma escola que usava um método revolucionário na época, bla bla bla. e, eu, aguardando que a diretora me recebesse, tô dando umas voltas ali em frente da escola, na nascimento silva. então, de repente eu vejo um senhor, lendo o jornal globo, no taxi, e a manchete do jornal que ele lia, estava voltada pra mim. e lá, estava escrito: geisel, que viria a suceder o médici, estava definindo o seu governo. ele tinha sido eleito, a eleição na época era feita sabe se lá como, né? a portas fechadas, ninguém sabia quem votava em quem... e a manchete dizia, “geisel vai definir a sua diretriz política, hoje”, ou algo semelhante. e no taxi estava escrito “livre”.  naquela plaquinha, que na época era de metal. mas depois de ter captado, eu me dei conta, de havia ali uma outra questão, né? que a despeito de ter captado, eu dei conta do meu sentimento, de estar ali, fazendo uma pequena revanche, boba, né? porque era uma bobagem aquilo... mas tinha uma outra coisa ali, que era uma paisagem, em que aparece a rua e o seu arvoredo, e o sol brilhando, em um dos bairros mais bonitos do rio de janeiro. existia uma ironia, entre o que estava escrito no jornal, e o que havia em torno. e aquele homem com uma aliança, os significados se desdobravam. então isso tudo me remeteu a fazer outro tipo de foto, entendeu? que não fosse só aquilo, uma documentação de uma cena curiosa, na rua. que ela se desdobrasse em significações e tal, e foi dela que começou a série “reflexos”. quer dizer, 42 anos atrás. foi a imagem que detonou esses 40 anos de obsessão por reflexos. então, à partir daí, eu comecei a me dar conta de uma coisa que não me passava pela cabeça, né? essa coisa de você ter através do vidro, um acréscimo, um acréscimo que não é só um acréscimo estético. um acréscimo de significância. 

paulo rubens fonseca, reflexos, rio de janeiro, 1974. © paulo rubens fonseca

13. das séries que produziu, qual expressa melhor a sua fotografia?

prf – com certeza, reflexos (2014).  

14. qual foi a imagem que você mais gostaria de ter fotografado, mas não conseguiu?

prf – era  um jipe... era uma coluna de jipes, que estava dando uma batida policial, no tempo da ditadura. eu estava atrás, num táxi, quando um soldado botou a mão pra fora, com os punhos cerrados. era perfeito, assim, pra ter um registo, do absurdo daquela cena. e eu, infelizmente, estava sem câmera.

15. em algum momento você pensou em desistir da fotografia?

prf – não, não. não porque eu seja um herói, nem nada. mas é porque eu adoro fotografar. teve um tempo em que eu fiquei tentado, eu cheguei a fazer um laboratório fotográfico pra fazer coisas pros outros. então eu fazia painés, backlights... mas aquilo foi uma das maiores desgraças que eu inventei! 

16. caso você pudesse convidar qualquer fotógrafo para um café, quem você convidaria?

prf – lewis hine.

17. cite um álbum que o inspirou.

prf – precisa ser um álbum, especificamente? eu citaria a obra de johann sebastian bach.

18. cite um filme que o inspirou.

prf – easy rider (1969), de dennis hopper, com certeza.

paulo rubens fonseca, reflexos, barcelona, 2011. © paulo rubens fonseca

19. cite um livro que o inspirou.

prf – walden, de henry david thoreau.

20. qual foi a sua primeira câmera?

prf –a leica iiif. comecei a fotografar com a mesma, aos 23 anos, depois de me graduar em psicologia.

21, que exposição mais te tocou?

prf – gênesis, do sebastião salgado. não consegui sequer ir até o final, de tão emocionado que fiquei.

22. caso você pudesse escolher um fotógrafo para te retratar. qual você escolheria?

prf – henri cartier bresson, definitivamente.

23. algum dia em que tudo conspirava contra você, mas que você tenha conseguido uma fotografia única.

prf – ah! muitos! as melhores fotografias que eu fiz na vida foram assim. um dia recebemos uma informação na redação que ocorreu um assalto em um banco. naquela época existiam assaltos a bancos organizados pela esquerda, né? o pessoal, para fazer finanças, comprar armas, etc, assaltava bancos. enfim, assaltaram um banco lá em anchieta. a informação vinha com horas de atraso, quando você enfim chegava ao banco, não tinha mais nada! mas, nesse dia, tinha o seguinte: tinham lacrado a bendita agência e era dia de pagamento. então, tinha uma multidão na única janela que dava acesso pra que alguém pudesse falar com o gerente, e reclamar. uma multidão, trepada em caixotes... então você via naquela parede, escrito: caixa econômica, agência anchieta, e aquela parede branca, com aquela janela mínima, como se fosse uma seteira de fortaleza, e uma absurdidade de gente tentando colocar a cabeça ali para falar. e então, click! essa foto foi uma foto, assim, absurda. a única coisa que remete ao assalto, era a parede com as inscrições da agência, e embaixo então vinha o lide para explicar o ocorrido. então, eu não tinha o assalto, sabe? mas era uma pauta dessas mais difíceis, mais chatas, porque o máximo que você podia esperar era conseguir algo da agência com a viatura da polícia em frente e olhe lá... 

24. melhor e pior pauta como fotojornalista.

prf – ah, as melhores pautas eram, assim, inesperadas. você nunca saberia quais gerariam boas imagens. eu adorava mesmo as violentas, de tiro e tudo mais! receber uma pauta como a que eu recebi, por exemplo, de cobrir o golpe de estado na argentina, era uma pauta pra ninguém colocar defeito, né? 

paulo rubens fonseca, reflexos, nova iorque, 2013. © paulo rubens fonseca

25. como você lida com os bloqueios criativos?

prf – eu paro. vou para casa, e durmo. eu acho que a grande questão, é você sair dos contextos. viajar, por exemplo. eu tinha secado a minha pira pelos reflexos, então eu comecei a fazer o seguinte: eu ia para fora do rio. ia para são paulo. é tudo um pouco diferente. e pra nova york, por exemplo,  eu viajei especificamente para fotografar. passei 12 dias fotografando especificamente isso daí. e é isso, você deixar que aconteça, não adianta forçar, querer ser criativo na marra. eu adorava andar pelo centro da cidade, mas foi ficando muito violento, foi ficando feio. não que tenha ficado feia para fotografar, mas para o meu coração, sabe? foi perdendo o charme. e eu tenho que considerar que esse meu trabalho é metido a besta, né? ele tem uma estética. na verdade, eu não quero dizer metido a besta, mas ele não funciona. por exemplo, tem uma cidade onde eu morei, no interior de são paulo, mas lá não saíam fotos. porque não tem grandes vidraças, não tem pontos de ônibus, os próprios ônibus incríveis que a gente vê, com esses puta parabrisas por aí... por que nova york rende do jeito que rende? porque tudo é sufocantemente grandioso.

26. novos projetos?

prf – não, não. na verdade, eu tô continuando a produzir o reflexos. e agora tô pensando em usar a d800 pra fazer. eu não sei se fica bom, a textura do digital, não é a mesma. mas eu tô pensando em ir em dois lugares que nunca fui. um é em, berlim, e o outro é em amsterdam.  esse é um projeto, mas não sei quando. não sei fazer outra coisa, meu amigo. eu peguei essa "cachaça" e nunca mais larguei. tem um lado do inusitado, assim, que você não espera, é muito legal. 

27. vocė usava os processos de push/pull?

prf – não para o reflexos. mas para o fotojornalismo usei muito! mais o push, do que o pull. para baixo usei pouquíssimas vezes. mas para cima, usei demais. para ballet, teatro. e eu colocava lá, 1/500 e asa 3200, com o tri-x, né? o contraste era... risos! 

então... eu tive um período em que eu só achava graça em puxar filme e eu fazia um negócio radical. antes de colocar no fixador, eu colocava o negativo em um banho de 70c e depois em um banho de -02c. de água, pura. e o que que acontecia? estourava a gelativa. ficava tudo craquelado. ah, eu achava aquilo o máximo! e era lindo, realmente! mas eu perdi, seguramente, vários rolos de filme. porque colocou errado, colocou em um pouquinho mais de temperatura, ou deixou mais tempo ali no calor, arrebenta tudo, escorre a gelatina toda! mas derrete tudo, velho! eu achava graça daquilo. mas perdi muito, muito material..

28. como começou sua carreira fotojornalística?

prf – eu comecei em uma agência fotográfica, de um fotógrafo incrível, o erno schneider. um gênio da fotografia! ele venceu o prêmio esso da fotografia e tal. de lá eu fui para a revista manchete, uma revista ilustrada, em que a fotografia tinha muito espaço. muita foto e pouco texto. depois eu fui pro correio da manhã e de lá eu fiquei um longo tempo como freelancer, pela revista veja. e pela veja cobri alguns eventos importantes, golpe de estado na argentina e tudo mais. tudo isso como freelancer. e, nos anos 1990, enfim, eu comecei a trabalhar no globo e fiquei por lá até 2000.

29. você utilizou filtros, durante a carreira? se sim, qual você diria que foi o mais escolhido?

prf – é, eu usei. filtro vermelho. eu não usava, em geral. usei o vermelho em um único trabalho. o filtro vermelho destrói os meios-tons, né? ele aumenta o contraste. ele quebra os tons entre o preto e branco, né? mas para produzir este trabalho, que eu tinha que reinterpretar os poemas do joão cabral de melo neto, eu usei, né? e ficou bem legal, deu certo! o amarelo, então, usei ainda menos.

30. como era o dia-a-dia na redação na era analógica?

prf – no globo, você ia para a pauta e depois trazia o material, e então era revelado, né? a gente fotografava em negativo colorido, era um horror aquilo, porque a qualidade era péssima. na eventualidade da foto sair colorida, eles ampliavam em papel colorido. na eventualidade de entrar para o miolo do jornal, onde tudo era preto e branco, eles faziam a cópia em papel preto e branco. e ficava muito ruim, tudo ficava ruim, né? na manchete, era preto e branco ou cromo. na manchete funcionava assim: caso a pauta fosse colorida, era cromo. caso fosse preto e branco, era negativo preto e branco. e era pré-definido. o cromo tem uma precisão que o negativo não tem, né? não sei, eu acho que o digital não chega nem aos pés do cromo. o cromo tem algo muito especial, tem uma saturação que o negativo nunca terá. você tem pretos profundos, é surreal.

paulo rubens fonseca, reflexos, washington, 1983. © paulo rubens fonseca

31. no início, você pode destacar alguém que o tenha ajudado? um mentor?

prf – sim, o editor de fotografia e fotógrafo, erno schneider. 

32. entre os fotojornalistas, e no brasil. quem você destacaria como o maior?

prf – o teixeira, né? evandro teixeira, com certeza. 

33. e em termos de laboratório, com que laboratorista você mais amou produzir?

no correio da manhã, tinha esse cara, o vilhena. esse cara era um gênio. imagina, em um laboratório escuro, né? você mal vê e ainda você vê negativo, em um ampliador? ele ficava ali, e: 'é essa aqui! pá!'. mas ele extraía coisas que você nem imaginava, em qualquer canto, ele, pá! o cara era um gênio. mas, assim, o laboratório, em jornal... na página, até que ficava legal. mas o jornal imprimia muito mal, então ficava tudo mais ou menos, né? 

e, e o futebol? risos! quando a gente não conseguia a bola, porque pô, é fundamental a bola, né? dois jogadores pulando pra cabecear uma bola, mas a bola não estava no quadro! aí a gente pegava umas moedas, a gente tinha coleções de moedas, e detalhe: naquela época não circulava moeda no brasil. ninguém usava moeda, a inflação era tão violenta... então a gente tinha essa coleção de moedas de vários tamanhos, e dentro daquela proporção, da cabeça do atleta, a gente colocava a moeda e dava a luz. então a moeda protegia.... risos! a porra do papel, e fingíamos que tinha uma bola! porque ficava tudo branco mesmo. risos!! a gente criou muitas bolas em foto que não tinha bola alguma.

34. caso você pudesse ter clicado qualquer foto, qual seria?

prf – a do cartier-bresson, do salto na poça.

35. caso você pudesse ter qualquer fotografia, original, qual escolheria?

prf – a mesma. o homem saltando em paris.

36. como professor, dê três dicas para seus alunos de fotojornalismo.

prf – tenha pernas, aceite os erros e persista. 

ah! e posso dar mais uma? esteja insatisfeito!

autor

O Álbum

uma ode ao slow photography   

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